Cristianismo: muito mais do que números


Por Paulo Siqueira em 3 de novembro de 2012
“Seus sacerdotes violam a minha lei, profanam o meu santuário, tratam indiferentemente o sagrado e o profano e não ensinam a distinguir o que é puro do que é impuro; fecham os olhos para não ver os meus sábados; no meio deles a minha santidade é profanada.” – Ezequiel 22:26
Ontem, na cidade de São Paulo, algo foi mais notório que o Dia de Finados: foi a inauguração do mega-templo católico liderado pelo Padre Marcelo.
Isso me chamou muito a atenção, pois em breve teremos em São Paulo os maiores templos cristãos de todo o Brasil, e com certeza que muitos templos em todo o mundo, pois cada denominação terá o seu mega-templo. Por exemplo, a IURD terá o Templo de Salomão, Valdemiro Santiago tem a sua Cidade Mundial, a Assembléia de Deus diz estar construindo o maior templo, a Deus é Amor diz ter o maior templo do mundo, R.R. também anuncia o seu mega-templo, Silas diz em todo os cantos do desejo de também ter um mega-templo em São Paulo, ou seja, em breve São Paulo será a cidade dos mega-templos.
Apesar de já termos espalhados pela cidade grandes igrejas e incontáveis templos de pequeno e médio porte, frutos dosmais diverso universo de nomes e diferente teologias. Há igrejas para todos os gostos: igrejas com ênfase na música, na cura, no milagre, na batalha espiritual, na oração, na pregação, na prosperidade, na unção e no poder. Há aquelas que só se reúnem em grandes eventos e mega-vigílias, shows, louvorzão, etc.
Enfim, a diversidade é enorme. Isso em reflexo ao aumento dos índices de evangélicos no Brasil.
Neste ano, devido às ações do Movimento pela Ética Evangélica Brasileira (MEEB), tive a oportunidade de participar dos principais eventos do meio gospel no Brasil, em diferentes cidades e em diferentes Estados, sem contar os inúmeros emails e contatos via redes sociais e as pregações em alguns ministérios, fazendo com que eu pudesse ver aberta e profundamente a realidade do povo evangélico brasileiro. Tudo isso me trouxe uma enorme preocupação, pois os evangélicos cresceram, os templos cresceram, tudo está em proporções que talvez muitos não imaginassem.
Porém, a pergunta que faço, e na qual tenho debruçado meus dias e noites a refletir é: por que esse crescimento todo ainda não é percebível em nosso contexto sócio-político-cultural?
Isso não falo de mim mesmo, mas a realidade nos demonstra isso. Por exemplo, temos os piores índices de violência do mundo: violência contra a mulher, contra crianças, contra idosos, do Estado para com o povo, temos a violência no trânsito, no futebol, enfim, somos uma nação violenta.
Temos os piores índices na educação, na saúde, nas moradias, no saneamento básico, sem contar as infinitas violações dos direitos humanos. Ainda no Brasil a tortura é uma prática diária e corriqueira, praticada pelos representantes do Estado e pelos seus principais órgãos. Ainda temos índices de mortalidade infantil e de aborto que nos compara a muitos países miseráveis no mundo, isso tudo refletido em uma das piores divisões de renda do mundo.
E o que dizer do nosso sistema político? Podre e fétido pela corrupção, por coronelismo cultural. O que dizer da nossa mídia falada, escrita e vista? Que ainda é instrumento de alienação de todo o povo. O que dizer dos nossos projetos culturais, dos esportes?
Enfim, refletindo tudo isso, com esse cenário de crescimento evangélico no Brasil, eu fico a me questionar: que diferença o povo evangélico tem trazido para o nosso país?
Vejo em todo o canto a frase: o Brasil será do Senhor Jesus, isso já há décadas é afirmado por muitos líderes e ministérios. O que temos visto é que o que tem se ampliado é o poder pessoal de muitos líderes, e seus ministérios aumentarem juntamente com seus saldos bancários.
Infelizmente, a luta por justiça , paz, por vida digna para os que sofrem neste país é um ideal de muito poucos que se declaram evangélicos. Temos um evangelho que encanta os olhos, os ouvidos, que emociona o coração, porém que ainda não é capaz de mudar o caráter do brasileiro. Ainda somos conhecidos como o povo que gosta de levar vantagens, o povo da sensualidade. Ainda somos conhecidos por ser rota do tráfico de drogas, pelo turismo sexual, que profana nossas crianças e jovens, pela prostituição. Sem contar que no contexto econômico ainda somos vistos como uma terra de lucro fácil, ou seja, as marcas de nossa colonização exploradora ainda são evidentes no nosso contexto sócio-econômico-cultural.
É claro que muitas coisas boas vêm sendo feitas por muitos ministérios e por muitos homens e mulheres de Deus, pois ainda o mal não dominou. Porém fico a pensar: quando é que o nosso crescimento, as nossas mega-igrejas serão refletidas na realidade política, na luta contra a violência, contra a prostituição, contra o latifúndio, contra a exploração degradante da terra e do meio-ambiente? Quando será que a Igreja fará a diferença neste país? Quando será que a Igreja deixará de ser conhecida pelo lucro, pela riqueza, pelo seu discurso sem prática? Quando será que a Igreja será conhecida como a verdadeira agente de transformação? Transformação verdadeira, na essência, não simplesmente no discurso.
Buscando uma referência bíblica que acalmasse a minha angústia, encontrei o texto de Ezequiel 22, onde Deus descreve ao profeta o Seu descontentamento com o Seu povo em relação às Suas leis e ao testemunho para com o mundo. Destaco, nesta reflexão, o versículo 26, onde o destaque é dado aos sacerdotes que, por buscarem os valores deste mundo, não ensinam ao povo a diferença entre sagrado e profano. Não ensinam ao povo a distinção de puro e impuro. Não capacitam o povo a distinguir o que é bom e o que é mau, pois suas pregações se fundamentam em alimentar a ganância, a vaidade, os desejos de homens e mulheres em conquistar cada dia mais um mundo que a Bíblia declara que não sobrará pedra sobre pedra após o juízo de Deus.
Hoje o que temos em muitos contextos é uma igreja emotiva, mística, mágica, interesseira, ou seja, em minha conclusão é que a raiz de muitos desses problemas está no fato de que o contexto religioso se transformou em uma fonte de entretenimento, entretenimento que sucumbe diante das verdadeiras necessidades do ser humano, que ultrapassam os limites do comer, beber, vestir e o de possuir, pois carecemos de espiritualidade.
É preciso que a Igreja seja o diferencial do profano, do mau e do impuro, e isso só acontecerá quando revertermos esse quadro e passarmos a ter uma espiritualidade verdadeira, quando nossos sermões forem verdadeiros alimentos para nossas almas e nosso espírito, quando a Igreja reassumir a sua autoridade para dizer Sede santos, porque nosso Pai Celestial é santo. Só assim teremos autoridade para pregar contra o pecado, contra a prostituição, contra a corrupção, contra o massacre de inocentes, e voltaremos a ser a fonte de Deus para que todos aqueles e aquelas que sofrem no mundo venham a beber.
Eu creio que uma Igreja melhor ainda é possível, mas é preciso que a voz profética se levante diante dos falsos pastores que, com suas falsas teologias, enganam a muitos.
Que venhamos a diminuir em nossa ganância, vaidades e desejos para com o mundo, para que a Palavra e o Reino de Deus retomem o seu verdadeiro lugar neste mundo.
Reflitam sobre tudo isso.
Gostaria que, após ler esse artigo, lessem o capítulo 22 de Apocalipse, e vejam que a Palavra de Deus ainda é referência para nossas vidas. Agora, se após ler esse artigo, refletir sobre o texto bíblico, você concluir que nada precisa ser mudado, peça a Deus que transforme o seu coração em carne, pois o seu coração está se transformando em pedra.
A Deus toda a glória.

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