Fonte: CristianismoHoje
A estabilidade nos ajuda a plantar os pés onde estamos. Ela não fecha a
porta para o novo; apenas nos ensina a achar novidade naquilo que se repete.
Se o prezado leitor não acompanhou os últimos textos desta coluna,
convém informar que estamos, ao longo das últimas edições de CRISTIANISMNO
HOJE, publicando uma série cujo objetivo é compartilhar oito ideias espirituais
que mudaram a história da espiritualidade cristã. Esta é a sexta, e
estabilidade é o seu nome. Sim, fazer votos a Deus assumindo um compromisso com
a estabilidade é uma poderosa ideia!
É, no mínimo, curioso notar que, hoje, a palavra estabilidade tem uma
conotação essencialmente material, com um claro viés socioeconômico. Assim,
falamos de estabilidade no emprego, de estabilidade financeira, de estabilidade
através da aquisição da casa própria... A noção de estabilidade virou, em
nossos dias, sinônimo de segurança. Ela seria, nessa ótica, um estado de
tranquilidade material, advinda do acúmulo de recursos que nos possibilitem
comer, nos vestir, ter acesso a lazer e qualidade de vida e ter alguma reserva
para a aposentadoria. Todavia, a ideia de se fazer um voto de estabilidade está
longe desses significados modernos. O voto de estabilidade tem um contexto
históricos específico. Ele nasce no ambiente monástico e carrega consigo uma
preciosa sabedoria.
Essa busca pela estabilidade tinha por trás de si, em primeiro lugar,
uma luta contra a inconstância. Mudanças são maravilhosos elementos para o
nosso crescimento. Através delas, enfrentamos desafios que rompem nossa zona de
conforto e nos fazem sair do lugar. Mas existem pessoas que nutrem uma relação
patológica com a mudança. Elas se enjoam rápido de uma novidade; então, para
manter a alma viva, pulam para uma outra coisa nova. Mudam tanto, que são
inconstantes – não criam raízes, não concretizam quase nada. É contra esta
patologia chamada inconstância que nasce o voto pela estabilidade. Ser estável
não é fechar-se ao novo, mas sim, encontrar a imensa alegria que existe em
solidificar conquistas, colher semeaduras, submeter-se a rotinas capazes de
gerar hábitos formadores de um destino.Outro elemento contra o qual a
estabilidade se insurge é o impulso cego. Decisões tomadas por impulsos são,
quase sempre, desastrosas. Impulso é um movimento instintivo, uma resposta
automática a um estímulo externo. Ele obedece ao calor da hora e simplesmente
acontece. Impulsos fazem parte do nosso ser, mas não podemos permitir que nos
dominem, que sejam a base da nossa vida. O voto pela estabilidade nos ajuda a
dizer não aos impulsos. Estabilidade é o oposto do impulso, e resulta em maturidade
e solidez. Ser estável não é anular o impulso, mas conviver com ele de maneira
a não permitir que ele seja a matriz das nossas decisões.
O romance Horizonte perdido fala de um lugar fictício chamado
Shangri-lá. Ele é uma espécie de paraíso, com tudo o que um ser humano deseja:
tranquilidade total, um ambiente em que o verde das matas e o azul dos lagos
formam um cenário ideal de descanso, onde tudo é novo e excitante. Na verdade,
todos somos atraídos por um Shangri-lá. No fundo, ele é o lugar em que não
estamos, o tempo que não vivemos, a experiência que não tivemos; enfim, o local
idílico e irreal que nos cega para a realidade, a rotina na qual vivemos, o
tempo e o lugar em que estamos. Pois o voto pela estabilidade nasce para nos
ajudar a perceber que o aqui e agora, o lugar que estamos construindo nossa
história, está cheio de beleza. O tédio que nasce da familiaridade, do costume
com as mesmas coisas de sempre, leva-nos a pensar neste lugar inexistente. A
estabilidade nos ajuda a plantar os pés onde estamos. Ela não fecha a porta
para o novo; apenas nos ensina a achar novidade naquilo que se repete.
A busca por esta estabilidade fez florescer toda uma geração de homens
e mulheres que, paradoxalmente, quanto mais se enraizavam, mais criavam coisas
novas. Gente comprometida em terminar o que começou, em solidificar o que
estava em andamento, de não mudar pelo simples sabor da novidade. Quem sabe,
nesse tempos nos quais somos tão estimulados a viver ao sabor dos impulsos, de
mudar sempre, indiscriminadamente, e de buscar uma felicidade que se parece com
a linha do horizonte – quanto mais perto chegamos dela, mais ela se distancia
de nós. Quem sabe se todos nós não estamos precisando fazer um voto de
estabilidade para com Deus?

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