A ALIANÇA



Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora.

Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco. Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão.

Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa.

Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
- Você não sabe o que me aconteceu!
- O quê?
- Uma coisa incrível.
- O quê?
- Contando ninguém acredita.
- Conta!
- Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
- Não.
- Olhe...
E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
- O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
- Que coisa - diria a mulher, calmamente.
- Não é difícil de acreditar?
- Não. É perfeitamente possível.
- Pois é. Eu...
- SEU CRETINO!
- Meu bem...
- Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
- Mas, meu bem...
- Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem vergonha!
E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações.

Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:
- Que fim levou a sua aliança? E ele disse:
- Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.
- O mais importante é que você não mentiu pra mim.

E foi tratar do jantar.


Alienam-se os ímpios desde a madre;
andam errados desde que nasceram,
proferindo mentiras.

Salmo 58.3
 A ALIANÇA
de Luiz Fernando Veríssimo

Fonte: As mentiras que os homens contam.
Editora Objetiva - www.objetiva.com.br

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